Cláudia Rodrigues
Para Cláudia F; xará que muito me ensinou sobre a arte de não dominar filhos como rebanhos alternativos
Que os filhos vivem sob a tutela de nossas ideologias e costumes não há a menor dúvida, mas é sempre bom pensar até que ponto devemos expor nossos pontos de vista sem fazer a cabeça deles na bitola.
Para Cláudia F; xará que muito me ensinou sobre a arte de não dominar filhos como rebanhos alternativos
Que os filhos vivem sob a tutela de nossas ideologias e costumes não há a menor dúvida, mas é sempre bom pensar até que ponto devemos expor nossos pontos de vista sem fazer a cabeça deles na bitola.
Tarefa dificílima educar sem doutrinar, orientá-los sob
nossa óptica e ética sem deixar de informar a existência da ideologia alheia sem raiva,
sem paixão. Como faz uma mãe que projetou uma filhinha princesa quando a menina
é do estilo tomboy e odeia laçarotes?
Como faz uma mãe de menina de 3 anos quando detesta o mundo cor-de-rosa excessivo exposto nas vitrines diante do seu desejo de projetar uma menina vestida de macacão jeans e blusinha vermelha?
Teimam, induzem, ficam falando mal do mercado, exigem que as meninas entendam o que é o feminino na visão do mercado ou o que significa o feminismo no mundo, usando uma linguagem adequada? O que é uma linguagem adequada para uma menina de 3 anos!?
E o que é essa visão do adulto, com todas as sua vivências, na cabeça das crianças, na fantasia das crianças?
Como faz uma mãe de menina de 3 anos quando detesta o mundo cor-de-rosa excessivo exposto nas vitrines diante do seu desejo de projetar uma menina vestida de macacão jeans e blusinha vermelha?
Teimam, induzem, ficam falando mal do mercado, exigem que as meninas entendam o que é o feminino na visão do mercado ou o que significa o feminismo no mundo, usando uma linguagem adequada? O que é uma linguagem adequada para uma menina de 3 anos!?
E o que é essa visão do adulto, com todas as sua vivências, na cabeça das crianças, na fantasia das crianças?
As projeções nos filhos, a partir daquilo que desejamos
orientar, às vezes passa dos limites, vai além e produz adolescentes altamente rebeldes ou subjugados. Rebeldia
nem sempre é capacidade adquirida de questionar, mas apenas rigidez e doutrina
sob outro ponto de vista. A submissão é um pouco mais complexa; inibidora,
castradora. Deve ser difícil crescer adorando os pais, sem adquirir a capacidade
de pensar diferente, pontuar, debater, duvidar. Deve ser pior nem ter acesso às
informações ou deformações, que sejam, por longos anos da infância.
De qualquer maneira e em qualquer idade, entender o ponto de
vista de quem pensa diferente, mergulhar fundo na diversidade do outro em
relação a nós é sempre muito enriquecedor, por mais que seja divertido e
confortável viver entre semelhantes.
Que os ditames do mercado, da linha de montagem, das marcas,
que vão do vestuário às comidas, precisam de questionamentos e necessitam ser colocados
na parede com pontos de interrogação, não há dúvida. Problema maior se dá
quando colocamos os ditames do mercado na parede com pontos de exclamação!
Sempre vou lembrar da riquíssima experiência que tive com um
casal de amigos em uma escola alternativa de Florianópolis. A menina era filha
única e pediu para sair da escola com 12 anos. Os pais amavam a escola e
ficaram de cabelos em pé quando souberam para qual escola a menina queria ir:
uma escola conteudista, nada a ver com o que eles acreditavam como educação.
Como eles, nós também não gostávamos das escolas do tipo trituradoras para o
vestibular, mas fomos solidários, os argumentos da menina eram bons.
A mãe dizia, com seu jeito cândido, compreensivo: “ Nós
somos assim, mas L. desde pequena sempre nos questionou, ela tem um estilo
próprio, as roupas, tudo o que escolhe é tão diferente de mim. Nós vínhamos
observando isso e sabíamos que ela iria questionar muitas coisas, mas não imaginávamos
que seria algo tão drástico, não a escola que nós escolhemos para ela desde pequena,
uma surpresa esse pedido tão cedo, aos 12 anos”.
Bem, L. mudou de escola, fez amigos, adorou o esquema de mais horas de estudo, de provas e notas e acabou passando de cara em uma engenharia na UFSC. Hoje está no terceiro ano, ainda é amiga dos meus filhos, apesar da distância, e continua uma pessoa de opinião. Sim, ela herdou os valores humanistas dos pais, a mãe me conta que ela, a garota hoje, aos 20 anos, tem paciência com os pais e rimos muito das nossas primeiras projeções, rimos com alegria porque em nossas trocas não nos fechamos em verdades absolutas e, afinal, porque fomos, marido e eu, os únicos pais que os apoiaram na mudança de escola. Os outros, alternativos de plantão na contracultura do sistema educacional, defendiam que a escolha deve ser dos pais, que eles iriam se arrepender, que L. era filha única, por isso mimada, que trocar de escola não iria resolver seus problemas internos, que viraria uma patricinha, se era isso que queriam dela!?
A mãe e eu observávamos. L. definitivamente não era mimada e o único problema interno dela parecia ser a necessidade de diferenciar-se dos pais. Intuímos que contrariar poderia gerar uma pessoa rebelde, amarga e ela era tão notavelmente para cima, de boa índole. Aliás, vendo-a brincar com meus filhos na piscina, trocamos um olhar carinhoso que não precisou palavras: meus filhos mais velhos, que regulavam com ela de idade, amavam-na justamente por ela ser diferente, por trazer novidades e ter posicionamentos que os despertavam para um mundo que não vinha de nossa de casa, dos nossos hábitos. E eu não temia isso desde os 13 anos quando li Khalil Gibran em seu famoso texto sobre os filhos. “Vossos filhos não são vossos filhos, são filhos da ânsia da vida por si mesma. Vem através de vós, mas não de vós e embora vivam convosco, não vos pertencem.”
Bem, L. mudou de escola, fez amigos, adorou o esquema de mais horas de estudo, de provas e notas e acabou passando de cara em uma engenharia na UFSC. Hoje está no terceiro ano, ainda é amiga dos meus filhos, apesar da distância, e continua uma pessoa de opinião. Sim, ela herdou os valores humanistas dos pais, a mãe me conta que ela, a garota hoje, aos 20 anos, tem paciência com os pais e rimos muito das nossas primeiras projeções, rimos com alegria porque em nossas trocas não nos fechamos em verdades absolutas e, afinal, porque fomos, marido e eu, os únicos pais que os apoiaram na mudança de escola. Os outros, alternativos de plantão na contracultura do sistema educacional, defendiam que a escolha deve ser dos pais, que eles iriam se arrepender, que L. era filha única, por isso mimada, que trocar de escola não iria resolver seus problemas internos, que viraria uma patricinha, se era isso que queriam dela!?
A mãe e eu observávamos. L. definitivamente não era mimada e o único problema interno dela parecia ser a necessidade de diferenciar-se dos pais. Intuímos que contrariar poderia gerar uma pessoa rebelde, amarga e ela era tão notavelmente para cima, de boa índole. Aliás, vendo-a brincar com meus filhos na piscina, trocamos um olhar carinhoso que não precisou palavras: meus filhos mais velhos, que regulavam com ela de idade, amavam-na justamente por ela ser diferente, por trazer novidades e ter posicionamentos que os despertavam para um mundo que não vinha de nossa de casa, dos nossos hábitos. E eu não temia isso desde os 13 anos quando li Khalil Gibran em seu famoso texto sobre os filhos. “Vossos filhos não são vossos filhos, são filhos da ânsia da vida por si mesma. Vem através de vós, mas não de vós e embora vivam convosco, não vos pertencem.”
Como é difícil sermos questionados em nossas seguranças. Ou
seriam inseguranças? Nossas certezas, sejam elas aparelhadas ou confrontadoras
ao o status quo, não raramente nos colocam no lugar rígido da dominação e nesse
lugar recusamos entrar na flexibilidade que só a sombra pode dar. Podemos não
usar as armas explícitas do autoritarismo, mas parecem até mais nocivas e
iluminadas as armas da sedução, da indução, especialmente quando vêm com cara
de verdade-única por diferenciar-nos da massa. É uma arrogância achar que por
pensar diferente somos melhores, maiorais, absolutos. É querer muita certeza,
muita evidência no universo comportamental, pleno apenas de tendências, no
máximo tendências.
Todos sabem que apoio o parto natural, hospitalar ou domiciliar
e a amamentação por cerca de 2 a 3 anos na vida da criança, mas na minha casa
as bonecas sofrem cirurgias tanto quanto parto natural, mamam no peito e na mamadeira,
chupam chupeta ou não. Minha filha caçula, aliás, tem três filhas-bonecas: duas
adotadas e uma biológica, segundo ela.
O discurso da diversidade na prática é mais complexo do que
parece porque no fundo somos despreparados para criar filhos que não sejam
projetados sob nossa luz e semelhança. Nas redes virtuais dá para ver bem isso,
pais e mães considerando que uma criança de 3 anos tem capacidade para
apoiá-los em suas ideologias, sendo usados como garotos-propaganda de seus
propósitos e pensamentos de adultos. Já nascem portando bandeiras com mensagens
que sequer compreendem.
Como compreender a “vida de gado, povo marcado”, que anda em rebanhos gigantes? Como agir em relação a isso sem ser o contraditório absoluto disso? É difícil ver mais longe justamente porque não se pode trabalhar com os mesmos instrumentos. Sob evidências se trafega em uma estrada asfaltada, muito bem sinalizada, com postos de abastecimento previstos. Sob tendências a estrada é de terra, precisamos afinar a instrumentação interna e observar como o todo de fora nos chega, com suas curvas imprevisíveis.
Não é nada fácil contrariar o rebanho sem desejar o poder de um rebanho “diferenciado”, difícil mesmo é deixar de aplicar a mesma fórmula do status quo às avessas.
Nossa! Maravilhoso, como sempre, Claudia! E me fez pensar...muito! Nessa fase de troca de cidade e escolha de escola estou meio pirada entre uma escolha mais afinada aos meus ideais e outra mais afinada com a necessidade dos dias de hoje e uma rotina mais tranquila. Educar sem ser a nossa imagem e semelhança é algo muito difícil, mas a verdade é que nós mesmos mudamos...há 3 anos eu era tão diferente! Costumo citar Raul nessas horas e fico entre ser uma metamorfose ambulante e a mosca que pousou em sua sopa! Beijos!
ResponderExcluirOi Claudia
ResponderExcluirGostei muito de seu texto, me fez pensar...
Me lembrei de uma formatura de colégio que certa vez assisti. O orador da turma, falando pelos alunos, disse que o colégio era muito rígido, tradicional, tinha uma metodologia arcaica, etc. Depois a diretora pediu a palavra e comentou que os alunos tinham essa visão critica, graças ao conhecimento adquirido neste mesmo colégio.
7 de novembro de 2012 13:27
Cláudia, amei o texto. A parte da mudança da escola, vai ser totalmente viabilizada caso ela faça como essa jovem amiga da sua família. Ditadura ideológica, estamos fora! Beijos, obrigada por essa delícia de texto. Cada frase boa pra recortar, e debater a fundo. Amo! Beijos. Gabryelle Patriota.
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