sábado, 16 de outubro de 2010

Terceira Idade, esse termo turbinado

Por Cláudia Rodrigues

A funcionária da companhia aérea chama: “gestantes, pessoas acompanhadas de crianças de colo, pessoas com deficiências e idosos com mais de 60 anos têm preferência no embarque.”

Rapidamente um bando de mulheres e homens apressados – normalmente os que têm entre 18 e 50 anos – salta na frente e chega primeiro à fila.

Algumas gestantes e mulheres com crianças encostam ao lado do balcão e são encaminhadas, sob a pressão dos adultos inquietos. Os tais “idosos” costumam ficar esperando sentados porque são inteligentes e sabem que caso resolvam se enfiar na frente dos truculentos executivos – ou fantasiados de – que andam em grupos; podem é sofrer empurrões. Essa cena se repete diariamente centenas de vezes nos aeroportos do país.

Como muitas outras coisas, em muitos outros setores da sociedade moderna, a marquetagem de apelidar as pessoas maiores de 60 anos de Terceira Idade, Melhor Idade, Mais Idade só serviu para aumentar a exploração comercial em cima desse público e submetê-lo ainda mais aos desígnios do mercado; não para honrá-lo. A consideração nas palavras da comissária não têm significado prático, exatamente providência alguma é tomada, com exceção para os idosos cadeirantes ou visivelmente doentes. O termo, essa brincadeirinha semântica que parece ingênua, serve para manter tudo nas aparências, palavras apenas, que retiram a consciência real sobre as razões pelas quais quem tem mais de 60 anos merece um atendimento prioritário.

Ignoro e prefiro continuar ignorando a pessoa que inventou esse termo turbinado: Terceira Idade. Achei pior quando rebatizaram de Melhor Idade. Não entendo porque adultos com mais de 60 anos precisam ter apelido sobre a fase da vida em que estão. Em primeiro lugar uma pessoa depois dos 60 não permanece na mesma fase, nesse bloco “Terceira Idade”, “Melhor Idade” até morrer porque continuamos sempre em desenvolvimento. Não é uma única fase, nenhuma fase na vida dos humanos é assim tão longa e estática, como acabamos entendendo quando resumimos as pessoas maiores de 60 anos, os antigos idosos ou velhinhos, à Terceira Idade, Melhor Idade.

Embora as fases a partir dos 30 anos do desenvolvimento causem essa espécie de mal-estar social, que além de gerar comportamentos bizarros, como o desespero coletivo para esconder o tempo inscrito no corpo, seja mentindo sobre o número de anos ou travando verdadeiras guerras hormonais e estéticas contra o organismo; ele tem aí seu ritmo e o que perde em desgaste físico e em memória recente, ganha em capacidade associativa e memória histórica. Naturalmente não nos tornamos incompetentes, física ou mentalmente, e já se sabe que a prática diaria de exercícios mantém qualquer pessoa, em qualquer idade, mais saudável e bem disposta.

O que pega é justamente a ignorância sobre a terceridade, a melhoridade, a idade em que naturalmente passaríamos a ligar menos para as banalidades e mais para as profundidades Bem nessa fase, em nome de "demonstrar" disposição não fica bem ter rugas, engordar um pouco ou ter cabelos brancos, é preciso continuar usando fantasia de adulto jovem, portar-se, postar-se em sucessos e jamais ceder ao apelo de um prazer maior, muy interno como pede o corpo mais maduro. Tem que ainda aparentar, aparentar, aparentar e perder tempo deixando de ser.

Irritante o mercado perverso de consumo e exploração em cima das pessoas que passaram dos 60 anos. Nada contra as viagens em turmas de amigos com interesses comuns e por coincidência, fases próximas, idades semelhantes, está tudo certo e ainda tenho 46 anos, mas espero sinceramente que até chegar aos 60 tenha saído de moda esse apelido turbinado, massificado para toda e qualquer pessoa que passa dos 60 anos. Tomara que mais pessoas se rebelem e assumam seus cabelos brancos, suas carecas, suas rugas e nem por isso deixem de amar, fazer sexo, viajar e viver bem até o último suspiro. E tomara, tomara mesmo que se imponham mais e ganhem da sociedade os bônus que merecem, saindo desse lugar de bem comportadas disfarçadas de menor idade.

O tom podia ser “Ei, você chegou lá, bônus para você, agora terá um atendimento preferencial”. A idéia que acabamos tendo atualmente é: Ei , não levante e venha para fila para não dar bandeira, disfarce, finja que ainda tem os mesmos olhos, a mesma audição, a mesma força muscular e espere sentado para não levar um empurrão de um apressadinho de 30.

A realidade nua e crua é que o apelido de “Terceira Idade” não é um bônus, ainda que tenha aliviado a pecha de incompetência que estava grudada no termo “idoso”. É um ônus turbinado, até porque vai ficar para sempre. O sujeito pode fazer 65, 78, 84, 91, sempre vai estar na mesma turma da Melhor Idade. E já que é melhor a idade, que se danem os velhos, fiquem por último ali fingindo que não são vividos o bastante para merecerem uma atenção especial. Os Super Idosos que se ferrem.

É claro que pessoas com 60 anos ou mais merecem esperar menos numa fila, mesmo quando muito saudáveis, por motivos óbvios e inerentes às características que vamos adquirindo: visão menos aguçada, musculatura mais frágil, ossos mais desgastados, capacidade auditiva reduzida... Pois justamente por isso os maiores de 60 não precisam do termo Melhor Idade. Melhor Idade deve ter a conta bancária do marqueteiro que inventou essa balela. Terceira idade? Como assim, se não existe primeira idade, segunda idade?

Os apelidos que já chegaram com um cifrão na ideologia apostando nas vantagens da idade, ignoram o que há de verdadeiramente bom e útil em sermos mais velhos. O desenvolvimento humano não termina por volta dos 25 anos, vamos nos tornando menos aptos fisicamente, mas mais bombados no cérebro com aumento de capacidade associativa e de reflexão. Se elegância também vale como sabedoria, mais um ponto aí para o pessoal da “terceridade”. Além de terem inteligência suficiente para evitar o confronto com os bombadões do terninho e as cansadas do salto alto, primam pelo raciocínio lógico de que o voo não vai sair antes para os que entrarem primeiro e acabam tendo a vantagem de dispensarem um enorme tempo em pé na fila.

Agora, que seria beleza se os adultos jovens entendessem que por trás dos termos pejorativos existem pessoas que merecem nossa reverência por estarem ali viajando, vivendo, trabalhando, se divertindo apesar dos inevitáveis sintomas da idade, isso seria.

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