sexta-feira, 25 de março de 2011

Como na década de 1940, ainda a perseguição às parteiras

Cláudia Rodrigues
Fotos: Marcelo Min







Parir com médicos no Brasil virou um caos desde o início da década de 1970, quando os índices de cesariana começaram a subir espantosamente, chegando a bater em 90% no sistema privado de saúde na década de 1990. Os médicos obstetras têm muitas outras ocupações e acompanhar partos, que de maneira geral demoram muitas horas, às vezes noites e dias inteiros, sem que haja qualquer risco para a parturiente ou o bebê, é algo praticamente impossível, a não ser que o médico seja humanista convicto e não ligue tudo para a conta que tem no banco.

Acompanhar mulheres em trabalho de parto não é um bom negócio do ponto de vista econômico, afinal passam-se longas horas em que diversos outros trabalhos na área ginecológica podem render mais do que um parto. Quando demora um tempo considerado básico, 8 horas, bem raro em primíparas, rende pelo menos 5 cesarianas. Trabalhos de parto podem demorar 24h, 48h e até mais. Sempre foi assim, é da natureza humana elaborar com o tempo os rituais de separação, embora algumas mulheres, bem raras, tenham partos rápidos.

O parto também não é um bom negócio emocional para um médico, a menos que o profissional seja um tipo roots, que curte ficar horas ouvindo mulher gemer, marido ir e vir, sogra e mãe ligando.
Estamos já faz mais de 3 décadas com defasagem de profissionais para a área especifica do parto, que entenda de espera e massagens, humildade e técnicas que facilitem a expulsão espontânea do bebê por meio do corpo da mãe. Médicos que não fazem partos, mas assistem partos são raríssimos. É que no parto não há muito a fazer, a não ser acompanhar, auscultar, esperar sem invadir, sem machucar, sem deitar a mãe na maca, sem cortá-la, sem puxar o bebê.

Médicos que defendem e praticam a cesariana sem recomendação científica são maioria no país e chefiam os principais departamentos de saúde pública e privada. Mentem para as mulheres, burlam direitos, desafiam recomendações da Organização Mundial de Saúde. Mulheres que gostam desses procedimentos e relações egóicas também existem: algumas por ignorância, outras por achatamento cultural e/ou psíquico.


Faz alguns anos que redes de mulheres começaram a se formar em movimentos contrários a esse status quo. Pioneiras, ainda na década de 1980, começaram a buscar alternativas ao sistema pasteurizado e de linha de montagem hospitalar em direção às velhas parteiras, médicos humanistas e enfermeiras obstetras. São poucos profissionais para atender a essa demanda contracultural específica e enquanto isso milhares de parturientes têm seus trabalhos de partos cortados por falsas indicações de cesariana, apenas pela pressa do sistema operacional de saúde.

Em 2005 foi criado pela USP um curso de formação de obstetrizes. Salvo raras exceções, elas vêm enfrentando problemas no mercado de trabalho, como difícil acesso a clínicas, hospitais e maternidades, mas abrindo espaço em trabalhos de parto domiciliares.

Por problemas políticos, econômicos e por guerras de vaidade, o curso da USP, único no Brasil a resgatar do fosso uma profissão que na década de 1940 foi rechaçada pela classe médica com perseguições e prisões, está para ser fechado. Não é definitiva e comprovadamente uma luta contra os eventuais riscos do parto assistido por obstetrizes, a ameaça do fechamento do curso (acesse pesquisas em http://parirenatural.blogspot.com), é um golpe político pela manutenção dos altos índices de cesariana, é uma defesa de reserva do mercado que vem sendo aumentado arbitrariamente; a do direito dos médicos de fazerem cirurgias sem indicação, desnecessárias e que colocam em risco a saúde da mãe e do bebê.

De um jeito moderno, hipócrita, como nos cai tão bem hoje em dia, viceja a perseguição às parteiras, em pleno século XXI.



CARTA DE APOIO AO CURSO DE OBSTETRÍCIA DA EACH-USP

"Nós, mulheres usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), mães, profissionais das mais variadas áreas e entidades afins declaramos nosso apoio ao Curso de Obstetrícia da Escola de Artes e Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo – EACH-USP, que terá seu número de vagas reduzido e corre o risco, inclusive, de ser fechado, visto que o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) não reconhece a categoria e a USP por pressão e intimidação se posicionou em seu Relatório Estudos das Potencialidades, Revisão e Remanejamento de Vagas nos Cursos de Graduação da Escola de Artes e Ciências e Humanidades da USP considerando reduzir mais de 300 vagas, de diversos cursos.
Com indignação clamamos e lutamos contra esta ação, visto que o curso é o único no País a formar obstetrizes centradas nos cuidados integrais relacionados à saúde da mulher, especialmente em um momento único como o parto e nascimento de um filho, que é visto pelos atuantes deste ofício como algo fisiológico, próprio do corpo feminino, tendo a mulher como protagonista.
Uma formação desta magnitude é uma inovação, dado que o Brasil apresenta elevadas taxas de cesarianas eletivas, alcançado patamares como o 2º País com os mais altos índices, seja no sistema público de saúde (cerca de 45%), ou no privado (cerca de 90%), mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendando um percentual de 15%. assim, uma profissão centrada nas especificidades que uma gestante necessita é um ganho para a sociedade e para as futuras gerações, além do mais que já é uma vitória ter o Curso de Obstetrícia reaberto após 30 anos de sua exclusão, ocasionando cenários de violência institucional no atendimento ao parto e nascimento em várias regiões brasileiras, tratando os corpos femininos como templos do saber médico.
Pela continuidade do Curso de Obstetrícia da EACH-USP, pelo reconhecimento de nossas obstetrizes e pela arte de partejar!"

Abaixo-assinamos,
Nome das entidades/grupos/coletivos/sites/blogs:
- Blog Buena Leche – Cláudia Rodrigues
- Blog Parto no Brasil – Ana Carolina A. Franzon e Bianca Lanu
- Cia das Mães
- Hugo Sabatino
- Kika de Pano – Bruna Leite
- Mamíferas – Kalu Brum
- What Mommy Needs – Carolina Pombo
- Yoga para Gestantes – Anne Sobotta

- Mães Empreendedoras - Vanessa Rosa


 Brasil, 24 de março de 2011.

4 comentários:

  1. Claudinha, coloca os links de compartilhamento pra gente distribuir seus posts no facebook, no twiter, etc... bjs

    Pata

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  2. Continuando na torcida. Divulgando tudo que posso, e se pudesse ir até SP...

    abraços saudosos
    Anne

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  3. Fiquei com um no' na garganta ao ver a emoção retratada nas fotos. Esta é uma luta literalmente visceral.
    beijos

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  4. Parabéns pela luta e pela mobilização. Estamos juntas nessa: http://blogdodesabafodemae.blogspot.com/2011/04/elas-querem-trabalhar-na-assistencia.html

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