quarta-feira, 27 de abril de 2011

No meio das minhas pernas


 Cláudia Rodrigues

Quando estava com 18 meses aprendi a pedir para fazer xixi. Raro, bem raro isso aos 18 meses. Sou um tipo esperto de bebê na questão consciência corporal, desde muito novinha desenvolvi saberes sobre meu corpo e não foi culpa sua, nem do papai, nem de ninguém, é coisa minha, da minha personalidade e isso não é feio, não faz mal, não tem nada a ver com sexualidade precoce, é natural e normal. Com um aninho, quando era colocada no cadeirão eu sentia a pressão do cinto de segurança e brincava com o sacolejo do carro a fazer-me uma espécie de cócegas. Você e papai ficaram preocupados e indecisos se deveriam retirar o cinto dali, distrair-me com conversas...Depois desencanei do cinto, mas agora, com 23 meses, perto de fazer dois anos, você notou que eu tiro a fralda só para ficar mexendo no meio das minhas pernas. Santa Maria Madalena, mamãe! Você está vinculando o meu gesto natural e curioso à sexualidade porque para você a sua vagina tem outra conotação, a sexual, mas para mim a piriquita, como você chama, é uma parte do meu corpo como outra qualquer. Sabe quando estou com sono e esfrego os olhos? É mais ou menos isso, eu vivo bastante envolvida com as sensações do meu corpo. Agora, vou te pedir por favor para não fazer como a mãe da Elenara, que ficou de tal maneira desesperada que inventou uma história de passar pomada na piriquita dela, sempre melecando bem os dedos e dizendo que aquela meleca era nojenta e o melhor era que Elenara não passasse a mão ali para não ficar melequenta. Coitada da Elenara, agora está achando que a vagina é um lugar nojento e melequento onde não se deve passar a mão porque fica dodói. Que loucura heim, mamis? Esse tipo de atitude em relação ao corpo das crianças pode desenvolver patologias incríveis, tanto em meninas quanto em meninos, afinal se desde pequenos somos levados a acreditar que nossos corpos são tão delicados que ao toca-los podemos nos machucar, que machucados são tão severos que precisamos usar remédios melecados e nojentos, imagine o que estamos fabricando em nossas mentes? No momento a Elenara foi apenas reprimida, mas será que isso não vai atrapalhar quando ela realmente precisar tirar prazer sexual daí? E nos partos? Será que imaginar a vagina como algo dodói e intocável não pode atrapalhar seu desempenho para colocar os próprios filhos no mundo? É, pode sim, mamãe, não quer dizer que vai acontecer porque a Elenara tem a vida pela frente para descobrir-se, ainda chegará aos cinco anos, passará pela fase de latência, mas não é bom para bebês da nossa idade entrar nessa de vincular nosso aparelho de fazer xixi e aquele outro de trás, o de fazer cocô, que ainda não descobri muito bem onde é, a coisas feias, sujas e proibidas. Eu sei, você se preocupa com a agressividade do mundo, a violência urbana, os abusos, mas não é reprimindo a exploração natural que preciso fazer em meu corpo que as coisas vão se resolver. Pelo contrário, a consciência do corpo, dos limites do corpo, quando naturais e espontâneas, nos dão segurança, nos fazem sentir mais donos de nossos corpos. Se vinculamos nosso próprio corpo ao proibido, aí sim a coisa pode ficar preta, até porque, como no caso da mãe da Elenara, o adulto fica de dono absoluto do corpo da criança e a criança é que perde a autonomia.
Agora, nesse momento da minha vida, não há nada o que reprimir ou explicar, mas conforme eu for crescendo, você vai poder introduzir no meu vocabulário a palavra intimidade, que é um direito que todas as crianças e adultos precisam desenvolver. Quando eu descobrir que meu corpo me pertence, vou saber que nenhum adulto pode relar em mim de jeito estranho, já vou estar semi-vacinada para abusos, embora ninguém nesse mundo possa ser vacinado contra a violência. Óbvio, né mãe, que se eu tentar mexer no meu corpo utilizando o seu corpo, o do papai ou de outra pessoa, isso deverá ser pontuado suavemente e eu terei que conhecer o significado da palavra mágica: intimidade. Posso ser semi-vacinada contra abusos também não sendo obrigada a ser excessivamente boazinha e educada com adultos; eu não tenho que rebolar, nem me exibir ou dançar feito uma macaquinha, não tenho que usar roupas de mini-adulta ou chamar meu melhor amigo de namoradinho. São esses comportamentos sociais adulterados que podem atrapalhar a doce ingenuidade de curtir o meu corpo, entender que ele é só meu, um espaço sagrado que eu aprenderei a cuidar e proteger, mas jamais esconder, reprimir ou banalizar. Fica com medo não, mamãe, convida eu para brincar, beija eu, abraça eu, confia em mim, sou uma molequinha feliz da minha vida e plena de meu corpo para a fase em que estou.




Do livro Bebês de Mamães mais que Perfeitas.

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