quarta-feira, 15 de junho de 2011

O lado dark do pós-feminismo







Cláudia Rodrigues

É difícil compreender exatamente como o movimento feminista conseguiu produzir à sua sombra e contra seus desejos mais profundos, essa fobia que a mulherada, de maneira geral, desenvolveu de envelhecer, adquirir rugas, cabelos brancos e alguma fofura.
Esses dias, conversando com um amigo ginecologista, fiquei surpresa ao saber que uns quilinhos a mais, conforme se aproxima a menopausa, seriam ideais para evitar ressecamentos e atenuar outros sintomas causados pelo novo balanço hormonal do corpo feminino. Ele explicou que obviamente não é patológico ser uma senhora naturalmente esguia, mas demonstrou preocupação com a saúde das mulheres que batalham arduamente por parecerem eternas sílfides, privando-se de comida equilibrada para um corpo e um cérebro que necessitam alimentos, boa gordura, proteínas e açúcares a fim de manterem-se integralmente saudáveis. Conversamos ainda sobre a ligação entre esse novo comportamento Light High Tech e suas prováveis associações com as doenças femininas que estão em alta, com índices em elevação. Foi uma bate-papo empírico e não teria como ser diferente. Os comportamentos atuais só terão seus efeitos colaterais reconhecidos após muitos anos de acordos entre laboratórios e seus comparsas de mercado. O que ditou a regra de nossa conversa foi o bom senso, um bom senso que não faz sentido algum para a verdade única da prática intervencionista, que hoje medicaliza as transformações naturais do corpo feminino segundo pensamentos desenvolvidos nos tempos de Galeno.
Meninas de 14 anos tomam anticoncepcionais receitados por seus médicos para não sofrerem de cólicas. Exige-se do corpo delas um comportamento que só viria mais tarde. Da mesma maneira, mulheres de 50 anos são reguladas via reposição de hormônios artificiais para que seus corpos apresentem comportamento típico dos 30 anos. Nem ouso levantar o efeito no cérebro, que bem aos 50 anos está em franca ascensão do ponto de vista associativo. Aguardarei pacientemente as evidências, bem sentada no meu troninho empírico.
É curioso que o balanço hormonal dos 50 anos femininos esteja estigmatizado como “queda” de hormônios, já que nem todos os hormônios entram em queda nessa fase. A adrenalina sobe sim, senhoras! O corpo feminino tratado como defeituoso, complicado, incompleto, faz parte da história da humanidade contada e vista pelos homens a partir de suas inseguranças em relação às mulheres. Os queridos peludos levaram séculos para perceber que eram pais de nossos filhos, se desesperaram para nos impedir de ter filhos com outros homens, tiveram as idéias que pareceram perfeitas: trancafiar, intimidar, impedir nossas liberdades mínimas. Logicamente desenvolveram uma visão bastante limitada, para não dizer apavorada, sobre o funcionamento dos corpos femininos. Nós, mulheres, de uma maneira ou de outra, sempre acabamos respondendo de maneira submissa a esses rótulos preconceituosos produzidos pela dor e pelo prazer do olhar masculino sobre nós.
Aí um dia, depois de alguns séculos de confusão e filharada a perder de vista que nos mantinha ocupadas na preservação e evolução da espécie com muito esmero, a gente foi lá e queimou sutiãs nas praças, gritou que queria dirigir, trabalhar, votar e ser gente igualzinha a eles. E não é que deu certo? Em parte e em muitos países deu certo.




Se por um lado conseguimos algumas vitórias técnicas com o feminismo, como votar, trabalhar e ter delegacia própria para registrar horrores domésticos, por outro não conseguimos literalmente dar conta dos nossos próprios corpos, hoje entregues ao mercado midiático, médico, dermatológico e técnico em geral sem qualquer reflexão, com um senso de preservação menor do que qualquer primucha primata.  Nos últimos anos viceja no mundo a mulher-objeto de desejo e de vontade do mercado. Para facilitar a linha de montagem, alcançar os números necessários ou simplesmente se deixar usar em nome da própria bandeira de liberdade, a mulher vem abrindo mão de direitos pessoais fundamentais. É duro reconhecer, mas o que arranjamos de fato foi um assalto com arma de plástico e o inimigo é nada mais, nada menos do que nossa auto-imagem de femme fatale de papá refletida no espelho. Enganamo-nos ao pensar em um objeto puramente sexual, é uma ingenuidade não perceber que somos objetos de perversão mercadológica. E desta vez, ainda que abundem os machistas pelo mundo, a culpa não é dos homens se o feminismo está ao contrário e ninguém reparou. Fizemos tanta força para colocar o belo, o corajoso, o competente do lado de fora de nossos corpos, que boicotamos demasiado a delicadeza sábia de nossos corpos tão capazes. Entramos no lado avesso do feminismo. A imagem mascarada que viemos produzindo nos trouxe trabalho, salário, direitos, novos deveres e acabamos, nessa ânsia pelo que estava fora de nossos corpos, perdendo o contato com o interno. É uma pena porque essa simples inversão de premissas nos leva ao calabouço de onde saíram as primeiras colegas feministas.

É preciso recomeçar do marco zero do feminismo: sermos donas de nossos corpos.

13 comentários:

  1. adorei. quero que várias pessoas leiam. esse é o caminho! bjs

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  2. O caminho daqui para frente bate de frente com o caminho ali de trás. O ser humano diante das evidências de erros de gerações após gerações, tende a ficar estupefato de ódio e em vez de facilitar a evolução, coloca entraves, entra naturalmente no padrão de repetição de comportamento. Como as pessoas que apanharam e batem, ignorando o que sentiram de ruim. Colocar o mal para dentro e ficar fazendo cara de paisagem boazinha faz parte de nossos valores hipocráticos e galênicos.

    Mulheres do sling, unam-se, vocês podem fazer diferente daqui para frente!

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  3. Uma ótima reflexão. São de pessoas assim que o mundo necessita: pessoas pensantes, que questionam; não aquelas que se rebelam por todo e qualquer motivo banal. Pessoas que pensam no bem comum.

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  4. Muito bom, Cláudia. Eu realmente apreciaria vê-la em um debate com Elsimar Coutinho e alguns outros apologistas do controle hormonal dos nossos corpos, quer às custas de anticoncepcionais quer da terapia da menopausa. Sua crônica contribui muito para esclarecer algumas mulheres que nos procuram ávidas por terapia hormonal (TH) e nos facilita entender o outro lado, o das mulheres que NÃO querem aceitar a imposição da TH.

    By the way, tenho uma aula recheada de evidências sobre o assunto, depois posso enviar, se você quiser. É difícil pensar criticamente em um campo tão controlado, de perto, pela indústria farmacêutica, mas a MBE trouxe luzes bem importantes sobre o assunto.

    Beijos,

    Mel

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  5. E tem ainda a questão dos hormônios utilizados em reprodução assistida, que na europa estão sendo cada vez mais banalizados e utilizados por mulheres que não apresentam problemas de ovulação. Uma outra face do processo de concepção/contracepção: um desejo de ter o mesmo controle adquirido com a pilula sobre o processo de maturação folicular...

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  6. Claudia, gostei mutcho!
    Vou enviar para minha mãe, minha sogra e meu marido!
    bjão

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  7. Ei Melania, um debate meu com o Elsimar ia ser um fracasso MEU. Imagina se as pessoas desconfiam que um médico pode não ter não razão diante de uma leiga em medicina. Mas você arrebentava a boca do balão num debate com ele.

    Pois é meninas, eu não defendo que as mulheres larguem seus trabalhos, seu sustento, suas próprias vidas pela maternidade,eu mesma não fiz isso. Muito menos que envelheçam sem vaidade. A pressão está do outro lado, o preconceito e a discriminação são enormes para quem não quer seguir os ditames pré-cozidos do que é "certo do jeito que é".

    A ditadura da medicina ultrasseptica, em nome da prevenção, usa materiais e equipamentos pouco confiáveis e que causam efeitos em corpos saudáveis, não são inócuos.


    bjs.Cláudia

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  8. Renata? Sério? Novidade total, tem mais informações a respeito?

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  9. Interessante o texto e boa parte da argumentação é mesmo muito pertinente. Discordo porém da premissa de que o responsável pelo medo que muitas mulheres têm de envelhecer seja do feminismo. Quem sempre determinou que feminilidade = juventude + beleza + passividade absoluta, foi o machismo. A sociedade machista não reconhece nenhuma mulher que não se encaixe neste clautrofóbico padrão. A mulher então, para não ser posta de lado, protela os sinais da velhice, tentado se manter por mais algum tempo no mercado sexual que a misogenia criou. Nada disso é novo, não foi o feminismo que imputou isso às mulheres. O feminismo é libertário, tanto para a mulher quanto para o homem pois o libera de parecer forte o tempo todo e pensar que carrega todos nas costas. O que vemos hoje é a exploração mercadológica das inseguranças femininas criadas pelo sexismo.
    Não é baseado no feminismo que homens e mulheres educam suas filhas para se sentirem inferiores, para transformarem toda auto-crítica em algo negativo, para acharem que existe o trabalho de homem e o que sobra é de mulher, que só o que os homens fazem é que dignifica e que é importante, que sua força está no seu frágil hímen. Tampouco foi baseado no feminismo que determinou-se que mulheres devem competir umas com as outras. Competir pelo quê? Por uma migalha da atenção e da aprovação masculina. Porque todo machista é tosco e fútil e precisa de uma garota novinha e gostosinha para chamar de sua e para exibir feito troféu para os seus iguais, como se isso fizesse dele um homem melhor. Não vejo o feminismo compactuado com nada disso.
    Se existem mulheres que se perderam no ego masculino, não é culpa do feminismo. Se existem mulheres que não conseguem lidar com as responsabilidades de ser livre pois nunca aprendeu sobre isso, não é culpa do feminismo.
    Isso que você chama de lado b do feminismo para mim nada mais é do que a intensificação do machismo pois tudo o que você falou está de acordo com este último.
    O feminismo diz que a liberdade é inerente ao feminino. Qualquer coisa que deturpe isto é contradizê-lo. O que quer que afaste a mulher de realizar o seu potencial não lhe ganha respaldo.

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  10. Sim, Liana, perfeito. A culpa não é do feminismo, mas o que todo movimento contracultural acaba fabricando quando é banalizado e isso não acontece só com o feminismo.

    No livro Contracultura Através dos Tempos, há uma boa reflexão sobre essa realidade em outros movimentos também. A banalização, a má interpretação, a deturpação produzem uma espécie de antídoto contra as raízes dos movimentos.

    A mulher colocou o peito para fora pelo direito de ser e de amamentar, o mercado massificou e virou siliconização a perder de vista e falta de direito de amamentar em público. É como um retrocesso, os otimistas falam que isso é uma onda que sobe e desce e quando sobe vem mais alta e melhor compreendida.

    Agora, o feminismo de raiz obviamente não tem nada a ver com isso, os movimentos quando surgem não levam em conta o efeito que surgirá na massificação.

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